Wednesday, May 26, 2021

Chile em direção a uma Convenção Constituinte com maioria progressista: A épica da mobilização popular que mudou a história

 

Chile em direção a uma Convenção Constituinte com maioria progressista: A épica da mobilização popular que mudou a história

26.05.2021

Por Cecilia González

Tradução de Milton Lima

A subestimação nunca é boa conselheira.

Se o saberão hoje o presidente Sebastián Piñera e os políticos dos partidos tradicionais do Chile que, acomodados em seus postos de poder, em suas lutas, estranhas a cidadania, foram surpreendidos, neste já mítico outubro de 2019, quando estudantes secundaristas começaram a pular os muros do metrô na cidade de Santiago para protestar pela diminuição do preço do bilhete.

Os jovens se juntaram, gritaram, pularam os muros uma, duas, dez vezes. A rebeldia se multiplicou logo em inéditas e indestrutíveis mobilizações sociais, a transformação da Praça Itália na Praça da Dignidade e o repúdio de um amplo setor social à desigualdade estagnada no Chile, o país que até então era posto como exemplo do êxito neoliberal na América Latina.

A fantasia se desmoronava. Ainda que embora, Piñera insistia nas repressões, na difamação permanente em direção aos manifestantes. Acreditava que poderia controlar a situação. Mas se equivocou. A realidade o rebaixou a cada passo. Em outubro do ano passado, em um plebiscito que se viveu à pura emoção, um expressivo número de 78% dos cidadãos, aprovaram uma nova constituição.  

Por fim, os chilenos poderiam extrair o peso da Constituição que os deixara o ditador Augusto Pinochet e que, depois de três décadas de democracia, está vigente.

Sem planejá-lo nem querê-lo nem esperá-lo, as e os jovens chilenos iniciaram um movimento social que adquiriu uma magnitude histórica e que hoje, um ano e meio depois, adquire efeitos substanciais épicos, porque a Constituição que surgida destes protestos estudantis será escrita, em sua grande maioria, por líderes feministas, agente comunitário, ambientalistas, de direitos humanos, indígenas, ativistas LGTBI e de todo tipo de causas sociais e sem experiência partidária. 

Será uma convenção com igualdade de gênero entre seus integrantes e majoritariamente de esquerda, com lideranças novas e progressistas, emanados da explosão que modificou por completo o mapa político de um país que já o sacudiu por ser um dos mais conservadores da região. Como bem resume um dos lemas dos protestos: Chile acordou. 

Memória

Piñera foi o grande derrotado das eleições. E como não. A força de votos, a sociedade chilena se cobrou não somente a desigualdade provocada pelas políticas neoliberais, sim também a persistente violência institucional exercida pelas forças de Segurança sob seu comando.

Aqui estão os informes de Anistia Internacional, e de Michelle Bachelet, a ex-presidenta e Alta Comissionada das Nações Unidas para os Direitos Humanos, que detalham o uso de armas letais, ataques indiscriminados contra manifestantes pacíficos e violentos, torturas, maus tratos, violações e abusos sexuais, detenções arbitrárias massivas, feridas com armas de fogo em adultos, jovens e meninas e meninos.

Aqui estão diante das câmeras ao vivo, os jatos de água, as perseguições, os gases lacrimogêneos, o sangue. Os mortos, os mutilados, os feridos. A impunidade.

Aqui está a denúncia contra Piñera por crimes de lesa humanidade interposta na Corte Penal Internacional de La Haya.

E nas margens das quais mais de 90% da população reprova o presidente deve aguardar com ânsia o momento de deixar poder. E falta pouco. As eleições são no dia 21 de novembro e em março próximo quando entregará o poder. É menos de um ano de espera, nestas condições de debilidade política extrema, de desaprovação social, parece uma eternidade.

Em direção à Convenção, o Governo e seus aliados aspiravam ter 52 cadeiras, o terço necessário para vetar artigos e impor suas posições conservadoras na Constituição. Porém, só obtiveram 38. Mas tal reconhecimento da derrota, na direita ainda persiste num desconcerto que se traduzem pelo desgosto, desqualificações e na repetição de ameaçantes lugares comuns (“vamos virar a Venezuela”) que não sustentaram efeito algum na maioria dos eleitores. Os subestimaram.  

Comunistas

 

As eleições demonstraram que no Chile, ao contrário da maioria dos países vizinhos, o Partido Comunista (PC) está vivíssimo, muito vivo e com um pré-candidato presidencial que avança a passos firmes visando às eleições de novembro.

Trata-se de Daniel Jadue, um líder de seu município que foi eleito pela segunda vez consecutiva. Mas, às figuras emergentes e inesperadas são Irací Hassler e Javiera Reyes, dois jovens economistas que já ganharam as eleições municipais de Santiago e Lo Espejo, e que já formam parte da renovação da classe política chilena uma demanda dos protestos de 2019.

Seus triunfos podem desconcentrar os esquecidos, mas não despercebidos, porque a palavra “comunista” se atualizou nos últimos anos com um êxito de estigmatizar e apelar aos fantasmas de regimes autoritários próprios da Guerra Fria.

No entanto, aqui as campanhas do medo não chegaram ao PC local, democrático e ancorado na defesa das lutas populares e direitos humanos. Ao contrário os votos fortalecem sua influência pública em meio do intenso processo de transformação política e social que explodiu em outubro de 2019, e que o final de semana, com as eleições, escreveu outro capítulo crucial.

“Apagar teu legado será nosso legado”, dizia a mensagem dirigida ao último ditador chileno e demonstrado em uma bandeira gigante na Praça da Dignidade durante os festejos do triunfo do plebiscito em outubro. Hoje estão mais próximos de cumprir essa promessa. Mais ao norte, a agitada Colômbia toma nota do que pode conseguir o protesto e a organização popular.

A transformação chilena não será fácil, como não é nenhum avanço histórico. Para começar, os “mercados” (os especuladores de sempre) reacionários como costumam fazê-lo ante qualquer avanço da esquerda: com a desvalorização da moeda e o colapso da bolsa. São tão previsíveis.

O único seguro é que, agora sim, os políticos e meios neoliberais já não poderão por mais o Chile como exemplo de bom aluno. Ficaram sem nada para exemplificar.

Notas do tradutor.

1. Texto original acesse aqui

2. Ao iniciar este projeto de tradução, preciso dizer o quanto tenho orgulho dos meus estudos em escola pública, tal como do caminho que fiz na universidade pública para ser sociólogo hoje. Escrever neste espaço é uma forma de devolver o que a educação me possibilitou. Acredito que alguns de vocês puderam acessar o conhecimento que os possibilitou ler em outros idiomas, e sabem da importância de ler no original, mas muitos de meus amigos não contaram com esse privilégio, devido a tal constatação que disponibilizo esta tradução. O texto original está no sitio RT (México) tratando sobre o Chile.

3. Vídeo complementar



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