Vidas em Escape
E
Alda Regina Tognini Romaguera*
Antonio Carlos Rodrigues de Amorim**
Recebido em: 29 ago. 2011 Aprovado em: 10 set. 2011
* Doutora em Educação pela Unicamp, Campinas, SP, Brasil. Leciona e orienta professores
e m f o r m a ç ã o n a s m o d a l i d a d e s p r e s e n c i a l e a d i s t â n c i a . E - m a i l :
aldaromaguera@hotmail.com
** Doutor em Educação e Livre Docente pela Unicamp. Professor Associado da
Universidade Estadual de Campinas. Av. Bertrand Russell, 801. Cidade Universitária Zeferino
Vaz. Cep. 13083-865 - Campinas, SP, Brasil. E-mail: acamorim@unicamp.br
Resumo: Este ensaio provoca pensamentos a buscar por ideias-vida que não se deixem
aprisionar pelas estruturas de poder. Alia-se a conceitos da filosofia da
diferença em Deleuze e alguns de seus leitores, para pensar formas de vida
outras, que escapem às definições, aos mapeamentos, que não se regulem
pelas normas, posto que se mostrem inéditas, indecifráveis... Propõe-se a
conversar com a arte em obras do bioartista Eduardo Kac e a contrapor ao
conceito de biopolítica, a potência “zoè” da vida, essa vida experimentada
sem limitações. E problematiza: é possível pensar a bioarte e a manifestação
estética da vida enquanto possibilidade de escape às políticas bio?
Palavras-chave: Vida. Bioarte. Biopolítica.
LIVES AND (IN) ESCAPE
Abstract: This essay provokes thoughts to seek life-ideas that do not allow themselves
to be imprisoned by power structures. It allies to Deleuze’s philosophy of
difference concepts and some of his readers to think about other life forms,
which escape from the definitions, the mappings, that are not governed by
the rules, since that may be unique, unbreakable ... The paper intends to
make a conversation with the art works of the bioartist Eduardo Kac and
suggests as alternative to the concept of biopolitics, the “Zoe” life power,
experienced life without limitations. And it problematizes: is it possible to
think of bioart and the aesthetic manifestation of life as a possibility of
escape from the politics bio?
Key words: Life. Bioart. Biopolitcs.2 0 4
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Alda Regina Tognini Romaguera / Antonio Carlos Rodrigues de Amorim
VIDA(S)
Não tem um, tem dois
Não tem dois, tem três
Não tem lei, tem leis
Não tem vez, tem vezes
Não tem Deus, tem deuses
Não há sol a sós
Aqui somos mestiços mulatos
Cafuzos pardos tapuias tupinamboclos
Americarataís yorubárbaros
Somos o que somos
Inclassificáveis
1
Vidas e(m) escape nos impulsiona a ensaiar pensamentos, ideias-vida
menos conectadas ao campo das representações, que não se deixem
aprisionar pelas estruturas de poder. Coloca sob suspeita a estruturação
que o pensamento lógico faz do humano e do mundo, e trabalha com a pulsão
energética da arte, com a ideia de arte enquanto pulsão de criação e de força/
potência em Nietzsche.
Pretende extrair da vida sua força de movimento com Deleuze, para quem os
corpos se constituem em “afectos e movimentos locais, velocidades diferenciais”
(DELEUZE, 1997, p. 47). Trazer exemplos de criação de vida com a arte, que nos
levem a ensaiar o escape às definições, aos mapeamentos. Pensar vidas que não
se regulem pelas normas, posto que se mostram inéditas, indecifráveis... Vidas
inclassificáveis. Pensar o transumano, exercitando uma perambulação para
perceber “metamorfoses ambulantes”.
Assume com Agamben (2002), que a vida pode movimentar-se em manifestações
biológicas, no sentido que lhe confere a palavra bíos: vida formalizada de um
grupo ou de um indivíduo; como o animal-homem, ser exemplar da polis, que vive
em relação com outros, que pratica linguagens e exercita a liberdade. Bíos entendido
como “vida caracterizada”, a forma ou maneira de viver própria de um singular
ou de um grupo, a vida de um indivíduo determinado ou um tipo de vida que toca
os contornos, os traços característicos de uma vida específica, as linhas fronteiriças
que distinguem um vivente de outro.
1 Composição de Arnaldo Antunes, na voz de Ney Matogrosso, no CD “Inclassificáveis”, 2008.2 0 5
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VIDAS E(M) ESCAPE
Vida movimenta-se ainda na palavra grega zoé, que nomeia o simples ato de
viver, comum a todo vivente; aquilo que os homens dividem com os animais, fato
biológico, vida natural. A vida no sentido amplo, que transcende os atributos de
uma vida individual. O significado de Zoè é vida em geral, sem caracterização
ulterior. É a vida considerada sem adstrição de qualquer característica e
experimentada sem limitações.
Para Zourabichvili (2004, p. 61), citando Deleuze, a vida é:
[ . . . ] uma mu l t i p l i c i d a d e d e p l a n o s h e t e r o g ê n e o s d e e x i s t ê n c i a ,
repertoriáveis segundo o tipo de avaliação que os comanda ou os anima
(distribuição de valores positivos e negativos); e essa multiplicidade
atravessa os indivíduos mais do que os distingue uns dos outros (ou
ainda: os indivíduos só se distinguem em função do tipo de vida
dominante em cada um deles).
O vitalismo assume duplo caráter, ao referir-se por um lado à postulação de um
“princípio vital” como razão última do vivente, presente no pensamento das ciências
naturais no século XVIII, configurando-se enquanto crença que foge a qualquer
esforço verdadeiro de explicação. Por outro lado, responde ao culto da vitalidade,
difundido na Europa no fim do século XIX, que gesta a vida fascista em suas
práticas ao invocar os direitos superiores da vida e o gênio da raça, do povo ou do
indivíduo.
Deleuze não pensa um conceito de vida em geral. Antes lhe interessa o caráter
diferenciado-diferenciável, que exclui o recurso à vida como valor transcendente
independente da experiência, preexistente às formas concretas e trans-individuais
nas quais é inventada. Deleuze chama mais especificamente vida ou vitalidade
“aquela entre essas formas em que a vida - o próprio exercício de nossas faculdades
- se quer a si mesma: forma paradoxal, a bem da verdade, mais próxima do
informe” (ZOURABCHIVILI, 2004, p. 61). Em O Vocabulário de Deleuze, Zourabchivili
apresenta a concepção deste filósofo, que trabalha com a vida não-orgânica,
expressão tomada de Worringer, aliada ao “corpo sem órgãos” de Artaud, e a
Bergson, para quem a vida como movimento se aliena na forma material por ela
suscitada.
Dizendo com Foucault: vida humana, politizada. Contrapondo com: política
inscrita nos corpos de cidadãos, e não animais em cuja política está em questão a
vida de seres viventes.
Toda tentativa de repensar o espaço político do Ocidente deve partir da
clara consciência de que da distinção clássica entre zoè e bíos, entre2 0 6
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vida privada e existência política, entre homem como simples vivente,
que tem seu lugar na casa, e o homem como sujeito político, que tem seu
lugar na cidade, nós não sabemos mais nada (AGAMBEN, 2004, p. 192).
Vida privada e existência política poderiam se movimentar na trilogia filosofia/
arte/ciência? Ao abraçarmos as sensações, espaço de criação de outras formas
possíveis de vida como força de inscrição de sentido, é possível repensar uma
vida em transformação, em movimento?
Ainda com Agamben (2004, p. 194):
Se denominamos forma-de-vida este ‘ser’ que é somente a sua nua
existência, essa vida que é sua forma e que permanece inseparável desta,
então veremos abrir-se um campo de pesquisa que jaz além daquele
definido pela intersecção de política e filosofia, ciências médico-biológicas
e jurisprudência. Mas antes, será preciso verificar como, no interior das
fronteiras destas disciplinas, algo como uma vida nua possa ter sido
pensada, e de que modo, em seu desenvolvimento histórico, elas tenham
acabado por chocar-se com um limite além do qual elas não podem
prosseguir, a não ser sob o risco de uma catástrofe biopolítica sem
precedentes.
Nas fronteiras entre a Filosofia, que cria conceitos, saberes, entre a Ciência
que faz prospecções, e a Arte, que cria perceptos e variedades afetivas, é possível
evitar uma catástrofe biopolítica sem precedentes?
SER/ESTAR VIVO
Lagartas encasuladas: devir-borboletas, metamorfose ambulante. Homem
mutante: devir-barata, devir-mosca, devir-robô, tributo a Kafka, Raul Seixas,
David Cronenberg, Isaac Azimov. Devir-flor... elogio a Eduardo Kac.
Populações trans: sexuais, gênicas, mutantes, que sofrem “mudança completa
de forma, natureza ou de estrutura; transformação, transmutação”. Na biologia,
definida como “mudança relativamente rápida e intensa de forma, estrutura e
hábitos que ocorre durante o ciclo de vida de certos animais”. Metamorfose ainda
significa “mudança de aparência, caráter, circunstância etc”. Em sentido figurado,
designa “mudança completa de uma pessoa ou de uma coisa”.
2
Estado de mudança, para a condição mutante de pessoas e coisas, como
possibilidade de perambular por alguns dos conceitos que abordam o humano na
contemporaneidade, considerando suas multiplicidades.
1
Trechos entre aspas retirados do Dicionário Houaiss para o vocábulo Metamorfose.
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Contrapor à expressão “ser vivo”, a possibilidade de um “estar vivo”: estado
de vida efêmero, fugaz, superficial, que não se pretende estável e imutável, antes
se quer híbrido, mutante. Justificando, com Agamben (1993, p. 52):
Porque se os homens, em vez de procurarem ainda uma identidade própria
na forma agora imprópria e insensata da individualidade, conseguissem
aderir a esta impropriedade como tal e fazer do seu ser-assim não uma
identidade e uma propriedade individual, mas uma singularidade sem
identidade, uma singularidade comum e absolutamente exposta, se os
homens pudessem não ser-assim, não terem esta ou aquela identidade
biográfica particular, mas serem apenas o assim, a sua exterioridade
singular e o seu rosto, então a humanidade ascederia pela primeira vez a
uma comunidade sem pressupostos e sem sujeitos, a uma comunicação
que não conheceria já o incomunicável.
No ensaio “As dobras ou o lado de dentro do pensamento (Subjetivação)”,
escrito em 1986, Deleuze parte de um impasse foucaultiano: como ultrapassar a
linha que aprisiona a vida ao poder? Se o ponto de concentração de energia da vida
se localiza no choque com o poder; se os centros difusos de poder se localizam no
primado da resistência; se ao tomar a vida ao poder, cria-se a condição de
possibilidade para uma vida que resiste ao poder; e se essas relações transversais
de resistência não param de derrubar os diagramas e reestratificam em nós de
poder?
Dobra deleuzeana: o poder sobre a vida - biopoder - traça linhas transversais
de resistência da vida ao poder, e subverte essa relação de forças. Mas a vida,
potência do lado de fora, enquanto força que resiste, escapa às armadilhas do
diagrama, e não para de se transmutar. Armadilhas que se anunciam no duplo
Morte/Memória. Como escapar ao vazio aterrorizante e não se deixar aprisionar
pela distribuição de mortes parciais? Pelo movimento que arranca o lado de fora
do vazio, que o desvia da Morte.
Pela “absoluta memória, potência de vida que concebe, com Bichat, a
morte coextensiva à vida, esta que é feita de uma multiplicidade de mortes
parciais e singulares. A morte se multiplica e se diferencia para dar à vida
as singularidades, as verdades que acredita dever à sua resistência”
(DELEUZE, 1988, p. 102).
Que forças vivas se apresentam e gestam novas sociabilidades, novas
sensibilidades?
Para Foucault, referindo-se à ideia de Canguilhem: o biopoder e os processos
de subjetivação revelam-se enquanto matrizes da dessubjetivação, quando este
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autor apresenta outra maneira de abordar a noção de vida - por uma filosofia do
erro, em oposição à filosofia do sentido, do sujeito e do vivido. Ainda com Foucault,
é possível perguntar: “Será que toda a teoria do sujeito não deve ser reformulada,
já que o conhecimento, mais do que se abrir à verdade do mundo, se enraíza nos
‘erros’ da vida?”. (FOUCAULT, 2005, p. 366)
O capitalismo, pela voz de Foucault, instaura técnicas de poder que controlam
a multiplicidade dos homens; se as técnicas disciplinares atuam sobre os corpos,
esquadrinhando espaços, controlando deslocamentos, as biopolíticas atuam sobre
a espécie humana, temporalmente. Em História da Sexualidade, volume I, lê-se:
“A vida já não é mais um substrato inacessível que acontece de tempo em tempo
na aleatoriedade da morte e da sua fatalidade: parte dela passa pelo campo do
conhecimento, do controle e da esfera de intervenção do poder” (FOUCAULT, 1998,
p. 142).
Há que se contrapor ao conceito de biopolítica, a potência zoè da vida, essa
vida experimentada sem limitações - é possível pensar a bioarte e a manifestação
estética da vida enquanto possibilidade de escape às biopolíticas? Se o conceito
de “vida nua”, derivado do filósofo italiano Giorgio Agamben, refere-se ao espaço
altamente artificial que as estruturas de poder geram ao excluir da proteção jurídica
as formas de vida que não se submetam à sua ordem, como controlar essa vida
em estado de ilegalidade, nua e crua, que escapa pela visibilidade?
BIOARTE
Decifração do genoma, organismos transgênicos, clonagem, terapia clônica,
medicina genética. Dilemas que levam um crescente número de artistas, situados
nas intersecções da arte e biologia, a produzir obras em múltiplos contextos.
Se na contemporaneidade se dissolvem as dicotomias entre local e remoto,
humano e não-humano, vivo e máquina, a arte transgênica se constitui enquanto
uma dentre as manifestações estéticas dessa condição contemporânea. Novos
indivíduos vivos, que existem por conta própria, compartilham espaços sociais
conosco.
Exercer o andarilho peregrinar por diversas obras da bioarte, e escolher, dentre
imagens, aquelas que brincam com a invenção de outras vidas. Pretender extrair
delas potência para pensar criação e vida, tornando estes conceitos vazios de
significados, talvez desejando que deles se desaprenda a plenitude dos sentidos,
talvez desejando que deles se desprenda sua virtualidade. Vida ciborgue, plugada,
tudo é vida, transumana. Arte úmida, transgênica, que mexe com a vida lá onde
não se enxerga a vida; na vida-micro, que depende de contato, a vida viral se
movimenta em fluxos. Isto traz outra potência para a ideia de biopolítica, ao
pensar esse deslocamento de força, que antes estava no olho e que depende da
criação de uma imanência: um calor...
Pensar a biopolítica em relação de contato/contágio com sentidos de vida,
educação e arte. Pensar as estratégias biopolíticas em relação de contato/contágio
com sentidos de vida-zoè e arte. É possível movimentar dimensões da invenção
no encontro entre tecnociência e vida, em sua aproximação com o campo da
estética artística?
A condição biopolítica do capitalismo globalizado e as obras da bioarte - criadas
por Eduardo Kac - trazem outras possibilidades de pensar a resistência enquanto
manifestação social para escapar ao controle, provocando encontros de vidas
singulares na contemporaneidade. Instiga-nos a pensar movimentos, vida em
movimento para quem sabe pensar uma vida qualquer, na potência da virtualidade.
Provoca-nos a movimentar a vida pela pulsão da arte: a arte-vida e a política-vida
pensadas como pulsos, como aquilo que se espalha, bifurca.
Exercitar andanças, perambulações, por estes conceitos, querendo pensar em
subjetivações do agora, que conectam gentes e coisas, objetos-quase, habitantes
do ciberespaço praticando interatividades replicantes, maquínicas.
* * *
Eduardo Kac é brasileiro de origem, carioca, nascido em 1962, e vive desde
1989 nos EUA, onde leciona e pesquisa. Um dos mais renomados artistas envolvidos
na criação com novas mídias, é reconhecido internacionalmente por suas instalações
interativas, que dão visibilidade a novos conceitos na arte contemporânea.
Diferentemente de outros bioartistas que optam por manifestações do bizarro,
entre outras, suas composições revelam uma idéia de beleza proveniente da estética
clássica, que se manifesta na brancura do coelho, no vermelho dos veios da flor. O
fio condutor da criação artística de Kac pode ser capturado pelo conceito da vida
codificada na natureza.
Tornou-se cidadão do mundo pela projeção de suas criações, que nas últimas
décadas transitam entre obras que vão da holografia à telepresença, à robótica, à
bioarte e à arte transgênica - exploração de material genético para criação de
vida.
Inspiradas pela ciência, sobretudo pela biologia e pela genética, estas obras
despertam questões éticas, sociais e estéticas. Kac trabalha com múltiplos
materiais, que abrangem diversas linguagens: é poeta, escritor, pintor, escultor,
criador de seres vivos, o que amplia a divulgação dos conceitos que quer discutir.
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Desde os seus primeiros experimentos, nos quais convergem o digital e o biológico,
investiga as dimensões políticas e filosóficas dos processos de comunicação. Kac
(2008) explicita estas intenções em uma entrevista:
Crio obras de arte que vêm do meu universo próprio, individual, subjetivo
e poético. Estas obras buscam produzir uma ressonância emocional e
cognitiva com espectadores e participantes. Ao mesmo tempo, levanto
questões fundamentais sobre o que significa ser humano no século
vinte e um em diante.
Eduardo Kac (2008) chama a atenção para uma ética dentro da estética, sem
precedentes e que abre um novo campo para arte, com implicações evolucionárias
reais (ou seja, por ser viva participa da evolução das espécies):
Na minha visão, o artista não cria objetos e sim sujeitos. Isso desperta
uma nova dimensão ética na arte. Meu trabalho cria no presente uma
nova área para a arte, ao mesmo tempo em que estimula a sociedade a
questionar como irá se preparar para receber novos cidadãos que serão,
eles próprios, clones e transgênicos (KAC, 2008).
* * *
Os biótopos da série “Specimen of secrecy about marvellous discoveries”
(Espécime de segredo sobre descobertas maravilhosas) são ambientes criados
pelo artista Eduardo Kac em um meio de cultura contido numa espécie de
exoesqueleto, que também funciona como moldura. Cada biótopo é definido como
um corpo, um indivíduo com sua própria identidade. Em Ecologia, um biótopo ou
ecótopo (do grego âéïò - bios = vida + ôüðoò = lugar, ou seja, lugar onde se
encontra vida) é uma região que apresenta regularidade nas condições ambientais
e nas populações animais e vegetais, das quais é o habitat. Um ecossistema
corresponde a um conjunto formado por dois elementos em interação constante:
um ambiente de natureza físico-química, abiótico e bem delimitado no espaço e
no tempo, a que se chama BIÓTOPO, e o conjunto de seres vivos, ou BIOCENESE,
que habita esse biótopo. Constitui o elemento funcional de base da biosfera;
mantêm-se por intermédio de um fluxo de energia e de matéria entre estas
diferentes componentes em interação permanente.
Nos dizeres de Kac:
“Cada t r aba lho é t anto uma ent idade s ingul a r, como nós , e uma
comunidade de células e microorganismos, como eu e você. Assim como
f a z em em nos so corpo, humano, e s s a s enorme s comunidade s de
microorganismos do biótopo interagem entre si e, como uma unidade,
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interagem com o ambiente. É um trabalho que sempre muda, pois, é
literalmente vivo” (KAC, 2008).
PLANTIMAL, HOMOPLANTA, PLANTASAPIENS...
Edúnia: Eduardo com Petúnia...
Criação bioartística de nova forma de vida, invent-ação viva de um ser que
não é encontrado na natureza.
Criação de sujeitos fazendo brotar a poética da contiguidade da vida entre as
diferentes espécies e despertando uma dimensão ética na arte.
Um estado de vida coabitado, trans-formado, trans-codificado e trans-gênicamente manipulado.
Uma flor criada através de engenharia genética que expressa o DNA de Kac
exclusivamente em suas veias vermelhas. No site do artista encontramos a
descrição desta criatura:
Ela tem veias vermelhas e pétalas cor de rosa. Um gene do artista é
expresso em todas as células de suas veias vermelhas, isto é, o gene de
Kac produz uma proteína somente na rede venosa da flor. O gene foi
isolado e sequenciado a partir do sangue do artista. As pétalas cor de
rosa, contra as quais as veias vermelhas são vistas, são evocativas do
próprio tom de pele rosada de Kac. O resultado desta manipulação
molecular é uma planta que cria a imagem viva de sangue humano
correndo nas veias de uma flor (KAC, 2009).
Vida e(m) estado de hibridismo que nos provoca a pensar com Kac: Plantimal?
Homoplanta? Plantasapiens? A flor gente/planta/bicho escapa aos aprisionamentos
identitários que insistem em nomeá-la e revela sua multiplicidade, na mistura
genética. Edúnia é, ao mesmo tempo em que está. Está planta em estado de gente,
está gente em estado de planta, está cores em estado de gene, está imagem viva de
sangue humano correndo nas veias de uma flor. E neste(s) estado(s) é que cria
escapes ao aprisionamento das políticas bio, resistindo ao controle e ensaiando
outros jeitos de estar no mundo. Busca do artista, pela dimensão da criação, por
outras relações entre vidas. A arte provocando a sociedade, num convite a se preparar
para receber novos cidadãos que serão, eles próprios, clones e transgênicos.
De 2003 a 2008, Kac desenvolve História Natural do Enigma, que se compõe de
uma série de projetos; esta obra visitou o Brasil como parte da exposição “Eduardo
Kac: Lagoglifos, Biotopos e Obras Transgênicas”, no espaço “Oi Futuro”, de janeiro
a março de 2010, no Rio de Janeiro.
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A flor é um novo tipo de Petúnia que Kac inventou e produziu através de
biologia molecular. O gene que Kac selecionou de seu próprio genoma é
responsável pela identificação de corpos estranhos. Ou seja, nesta obra,
é precisamente aquilo que identifica e rejeita o outro que o artista integra
no outro, criando assim uma nova espécie de ser que é parcialmente flor
e parcialmente humano.
“História Natural do Enigma” é uma reflexão sobre a contiguidade da
vida entre as diferentes espécies. Usa a vermelhidão do sangue e a
vermelhidão das veias da planta como um marcador do nosso patrimônio
comum. Na expectativa de um futuro no qual Edunias sejam acessíveis e
plantadas por toda parte, Kac criou um conjunto de “Edunia Seed Packs”
(Pacotes de Sementes da Edunia), que estão incluídos na exposição. Os
“Edunia Seed Packs” contêm as sementes da Edunia e fazem parte da
coleção permanente do Museu de Arte Weisman (KAC, 2009).
O mundo das artes problematiza e multiplica representações para o ser vivo, a
máquina, o humano e o ser inanimado e abre possibilidades para pensar humanos
e vidas outras, na proliferação de possibilidades como as do campo da bioarte.
Para Eduardo Kac (2006, P. 253) “a bioarte é uma arte feita com um meio de
criação que se envolve com a história do planeta, que é a vida”. E a vida é enquanto
vida alguma coisa que não para de se transformar, dirá Deleuze com Bergson.
Bioarte, arte biológica e arte genética. Dilemas que levam um crescente número
de artistas situados nas intersecções da arte e biologia, a produzir obras em
múltiplos contextos. Realizações no campo da biologia contribuem para a
compreensão e controle potencial do mundo orgânico, incluindo o corpo humano.
Pode-se dizer com o Deleuze de “Imanência: uma vida...”. “Vida, imanência
absoluta, pura potência, de onde brota uma possibilidade: a do ser em si,
simplesmente: tantum”.
Se uma obra de arte revela o universo poético do artista - traduzindo o mundo
por ele criado -, na plataforma estética da arte transgênica encontra-se a criação
de outras formas de vida, artificiais, que não existem na natureza. Eduardo Kac
se apropria de instrumental genético para criar, fazer pulsar, a partir da arte,
outras possibilidades de contato que promovem encontros híbridos entre os seres.
Vida na biologia: organismo, vida organizada – ambientes de micro vida,
biótopos, que interagem com gente – vida em estado de arte, vida reagente,
mutante, não sujeito, borbulhas de vida – telas, quadros – comunidade fugaz,
instantânea, que não se aprisiona, incorpórea, é organismo que se desorganiza;
transformação de vida biológica em arte.
Kac pensa e nos faz pensar sua obra, criação de vida, em todas as suas
dimensões: discursiva, afetiva, perceptiva, interativa, dando ênfase ao que há
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de novo na obra, porque é aí que se encontra o domínio da invenção e da
imaginação. Com ele, é possível trabalhar com a idéia de arte como pulsão de
criação e de força/potência, e considerar as obras de arte em sua relação com a
tecnociência, elegendo as dimensões da obra que são filosóficas e culturais: estética
relacional. Nos dizeres de Kac (2004a, p. 35),
Invenção e modificação da vida pelo artista, para fazer a obra de arte.
Ética performativa: experiência ética colocada pelo artista como elemento
primário da plataforma estética; quando a obra desempenha uma ação
ética deliberada, a ação ética e a ação estética estão integradas já no
nascedouro da obra, não a posteriori.
Seleção e mutação apresentadas como importantes forças evolucionárias. Kac
coloca a comunidade científica, artística e a sociedade em geral frente ao dilema
ético em evidência na contemporaneidade: o homem-deus que enfrenta, desafia,
surpreende e domina a vida: evolução transgênica... Trabalha com a proposta de
um sujeito-arte, em oposição à idéia de objeto na arte, enfatizando aspectos não
tão visíveis da obra: A arte transgênica é um modo de inscrição genética que está
ao mesmo tempo dentro e fora do campo operacional da biologia molecular,
negociando o terreno entre ciência e cultura.
Viver agora é também captar indícios da existência de outro humano, o que
leva ao reconhecimento de outra biologia que configura o humano, que se mostra
na relação do controle e da resistência que as obras de arte transgênica oferecem.
Para ele, a questão da genética não é pura e simplesmente problema científico,
mas está diretamente ligada aos aspectos políticos e econômicos. Precisamente
por esta razão, o medo desenvolvido pelo abuso real e potencial desta tecnologia
deve ser canalizado produtivamente pela sociedade. Em vez de abraçar uma cega
rejeição da tecnologia, o que já é indubitavelmente parte das novas bio-políticas,
cidadãos de sociedades abertas deveriam, segundo Kac, fazer um esforço para
estudar as múltiplas visões do assunto, aprender sobre a herança histórica em
torno dessa discussão, entender o vocabulário e o principal significado dos esforços
das pesquisas. Deste debate resultaria o desenvolvimento de visões alternativas
baseadas em idéias autônomas, o que levaria a um esforço para gerar entendimento
mútuo. Embora isso pareça uma tarefa desanimadora, conseqüências drásticas
podem resultar da publicidade enganosa, de antagonismos ou manifestações de
indiferença pela sociedade. Kac considera que é neste aspecto que a arte pode ser
também de grande valor social. Desde o lugar em que a dominação da arte é
simbólica, até quando ela intervém diretamente num contexto dado, a arte pode:
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[...] contribuir para revelar implicações culturais de revoluções e oferecer
diferentes caminhos de pensar sobre e com a biotecnologia. A arte
transgênica pode ajudar a ciência a reconhecer o papel de questões
relacionais e comunicacionais no desenvolvimento de organismos. Pode
ajudar a cultura desmascarando a crença popular de que o DNA é a
“molécula-mestra”, através de uma ênfase no organismo como um todo
e o ambiente (o contexto). E finalmente, a arte transgênica pode contribuir
no campo da estética por abrir uma nova dimensão simbólica e objetiva
da arte como criadora literal da vida e responsável pela vida criada (KAC,
2002, p. 46).
Eduardo Kac cria interfaces da biologia com a tecnologia e a filosofia, na
expressão de obras de arte transgênicas:
Eduardo Kac irá, então, mergulhar no campo da biologia e da genética –
onde pode evidenciar mais claramente esta dissolução da fronteira entre
os organismos reais e virtuais – e criar o que irá chamar de Arte
Transgênica. O artista parte dos pressupostos de que a pele já deixou de
ser a barreira imutável que contém e define o corpo no espaço, tornandose um lugar de constante transmutação (vide as inúmeras possibilidades
das cirurgias plásticas cada vez mais acessíveis); e de que, mais do que
tornar visível o invisível, a arte deve possibilitar a consciência do que
permanece para além do visual, mas que de fato nos afeta diretamente. A
Arte Transgênica que propõe irá possibilitar uma relação dialógica entre
o artista, a criatura/obra de arte, e aqueles que irão manter contato com
ela (LEVY, 2010, p. 69).
Retornamos às perguntas-sensações que acompanham este ensaio: se na
contemporaneidade nos tornamos outros, híbridos e mutantes – descendentes de
tantos mundos quantos os que pudermos criar, por que estes corpos plugados
ainda insistem em manter conexões de outrora, em instituições que nos colocam
frente às relações dualistas, paradoxais? Aproximações estéticas permitem trazer
a arte transgênica para pensar uma nova noção de vida ou buscar por outras
relações com a vida, de-subjetivada? Que outros encontros podem acontecer entre
o humano e o inanimado?
Transitar pelas obras de Kac abre possibilidades de pensar a vida, na dimensão
da invenção, ainda que este conceito surja fortemente acoplado à noção de sujeito,
no campo das representações. Gera um começo, ponto de partida para levantar
questões a respeito da vida na contemporaneidade. Porém, ao tentar aproximar
suas criações das discussões e conceitos filosóficos contemporâneos, o que emergiu
foi ainda a organicidade, a corporeidade...
Dizendo com Pélbart:
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“O bios é redefinido intensivamente, no interior de um caldo semiótico e
maquínico, molecular e coletivo, afetivo e econômico. Aquém da divisão
corpo/mente, individual/coletivo, humano/inumano, a vida ao mesmo
tempo se pulveriza e se hibridiza, se moleculariza e se totaliza” (PELBART,
2003, p. 26).
Kac pensa a criação na vida, da vida, na arte, da arte. Traz possibilidades de
pensar em outros territórios que não os da ciência, dando visibilidade a outro percurso para questões éticas e estéticas. Pela bioarte, provoca, questiona a transformação de vidas.
Seleção e mutação apresentadas como importantes forças evolucionárias. Kac
coloca a comunidade científica, artística e a sociedade em geral frente ao dilema
ético em evidência na contemporaneidade: o homem-deus que enfrenta, desafia,
surpreende e domina a vida: evolução transgênica... Trabalha com a proposta de
um sujeito-arte, em oposição à ideia de objeto na arte, enfatizando aspectos não
tão visíveis da obra: “A arte transgênica é um modo de inscrição genética que
está ao mesmo tempo dentro e fora do campo operacional da biologia molecular,
negociando o terreno entre ciência e cultura” (KAC, 2004).
Uma arte que traz a possibilidade de fissura, de sentidos em escape e de
virtualidade para pensar vida, ciência e biotecnologia... Seria a bioarte uma
manifestação da criação de vida da multidão? Arte singular, que se manifesta no
comum produzindo uma vida. Vida e arte em constante movimento, deslocandose entre os conceitos que lhe são atribuídos e tantos outros cruzamentos, em
misturas pulsantes, híbridas, contínuas, gerando singularidades. A potência de
vida na arte em conexão com a aposta de vida singular no pensamento filosófico
deleuzeano: vida não-orgânica, incorpórea, inorgânica. Ideia de vida que não se
efetua, que está sempre em escape. Menos ser, mais devir; transformação,
nômade, vida pra além do encontro dos corpos, vida que é pensamento, pensamento
que é indizível.
Kac cria e faz pensar a criação de vida, em todas as suas dimensões: discursiva,
afetiva, perceptiva, interativa. Sua ênfase está no que há de novo na obra, porque
é aí que se encontra o domínio da invenção e da imaginação. Com ele, é possível
trabalhar com a ideia de arte como pulsão de criação e de força/potência, e
considerar as obras de arte em sua relação com a tecnociência, elegendo as
dimensões da obra que são filosóficas e culturais: estética relacional. Nos dizeres
de Kac em entrevista para a revista online Interact, realizada por ocasião dos
Encontros de Arte e Comunicação (Junho de 2005):
VIDAS E(M) ESCAPEInvenção e modificação da vida pelo artista, para fazer a obra de arte.
Ética performativa: experiência ética colocada pelo artista como elemento
primário da plataforma estética; quando a obra desempenha uma ação
ética deliberada, a ação ética e a ação estética estão integradas já no
nascedouro da obra, não a posteriori (KAC, 2007).
Em algumas de suas obras ele desestabiliza a ideia do controle ao criar seres
culturais; como em Lance 36, por ele assim definida:
Uma partida para jogadores fantasmas, uma afirmação filosófica revelada
por uma planta, um processo escultural que explora a poética da vida
real e da evolução. Essa instalação dá procedimento à minha contínua
intervenção nos limites entre o ser vivo (animais humanos e não
humanos) e o não vivo (máquinas, redes). Colocando em xeque noções
tradicionais, a obra revela a natureza como uma arena para a produção
de conflitos ideológicos, e as ciências físicas como um locus para a
criação de ficções científicas (KAC, 2004b).
Desestabilização, des-controle do natural; arte como força de inscrição de
sentidos outros, vida como descontrole, como nomadismo, transformação, e novo.
Buscar por uma vida que se desfaça do que a aprisiona, que se invente em
modos e formas de ser e se descubra pura imanência, potências. Uma vida:
determinabilidade transcendental da imanência como vida singular, sua natureza
absolutamente virtual e o seu definir-se somente através dessa virtualidade.
V i d a c omo ime d i a t e z a a b s o l u t a , v i t a l i smo : p u r a c o n t emp l a ç ã o s em
conhecimento, potência sem ação. Uma vida que não consista somente no seu
confronto com a morte e uma imanência que não volte a produzir transcendência.
“A vida beata jaz agora sobre o mesmo terreno em que se move o corpo biopolítico
do ocidente” (AGAMBEN, 1993, p. 173).
O pensamento a respeito da vida criada escapando...
REFERÊNCIAS
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REU, Sorocaba, SP, v. 37, n. 2, p. 203-217, dez. 2011
Alda Regina Tognini Romaguera / Antonio Carlos Rodrigues de AmorimREU, Sorocaba, SP, v. 37, n. 2, p. 203-217, dez. 2011
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v. 1
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ZOURABICHVILI, François. O vocabulário de Deleuze. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2004.
Saudação Ambientalista, Milton.
E
Alda Regina Tognini Romaguera*
Antonio Carlos Rodrigues de Amorim**
Recebido em: 29 ago. 2011 Aprovado em: 10 set. 2011
* Doutora em Educação pela Unicamp, Campinas, SP, Brasil. Leciona e orienta professores
e m f o r m a ç ã o n a s m o d a l i d a d e s p r e s e n c i a l e a d i s t â n c i a . E - m a i l :
aldaromaguera@hotmail.com
** Doutor em Educação e Livre Docente pela Unicamp. Professor Associado da
Universidade Estadual de Campinas. Av. Bertrand Russell, 801. Cidade Universitária Zeferino
Vaz. Cep. 13083-865 - Campinas, SP, Brasil. E-mail: acamorim@unicamp.br
Resumo: Este ensaio provoca pensamentos a buscar por ideias-vida que não se deixem
aprisionar pelas estruturas de poder. Alia-se a conceitos da filosofia da
diferença em Deleuze e alguns de seus leitores, para pensar formas de vida
outras, que escapem às definições, aos mapeamentos, que não se regulem
pelas normas, posto que se mostrem inéditas, indecifráveis... Propõe-se a
conversar com a arte em obras do bioartista Eduardo Kac e a contrapor ao
conceito de biopolítica, a potência “zoè” da vida, essa vida experimentada
sem limitações. E problematiza: é possível pensar a bioarte e a manifestação
estética da vida enquanto possibilidade de escape às políticas bio?
Palavras-chave: Vida. Bioarte. Biopolítica.
LIVES AND (IN) ESCAPE
Abstract: This essay provokes thoughts to seek life-ideas that do not allow themselves
to be imprisoned by power structures. It allies to Deleuze’s philosophy of
difference concepts and some of his readers to think about other life forms,
which escape from the definitions, the mappings, that are not governed by
the rules, since that may be unique, unbreakable ... The paper intends to
make a conversation with the art works of the bioartist Eduardo Kac and
suggests as alternative to the concept of biopolitics, the “Zoe” life power,
experienced life without limitations. And it problematizes: is it possible to
think of bioart and the aesthetic manifestation of life as a possibility of
escape from the politics bio?
Key words: Life. Bioart. Biopolitcs.2 0 4
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Alda Regina Tognini Romaguera / Antonio Carlos Rodrigues de Amorim
VIDA(S)
Não tem um, tem dois
Não tem dois, tem três
Não tem lei, tem leis
Não tem vez, tem vezes
Não tem Deus, tem deuses
Não há sol a sós
Aqui somos mestiços mulatos
Cafuzos pardos tapuias tupinamboclos
Americarataís yorubárbaros
Somos o que somos
Inclassificáveis
1
Vidas e(m) escape nos impulsiona a ensaiar pensamentos, ideias-vida
menos conectadas ao campo das representações, que não se deixem
aprisionar pelas estruturas de poder. Coloca sob suspeita a estruturação
que o pensamento lógico faz do humano e do mundo, e trabalha com a pulsão
energética da arte, com a ideia de arte enquanto pulsão de criação e de força/
potência em Nietzsche.
Pretende extrair da vida sua força de movimento com Deleuze, para quem os
corpos se constituem em “afectos e movimentos locais, velocidades diferenciais”
(DELEUZE, 1997, p. 47). Trazer exemplos de criação de vida com a arte, que nos
levem a ensaiar o escape às definições, aos mapeamentos. Pensar vidas que não
se regulem pelas normas, posto que se mostram inéditas, indecifráveis... Vidas
inclassificáveis. Pensar o transumano, exercitando uma perambulação para
perceber “metamorfoses ambulantes”.
Assume com Agamben (2002), que a vida pode movimentar-se em manifestações
biológicas, no sentido que lhe confere a palavra bíos: vida formalizada de um
grupo ou de um indivíduo; como o animal-homem, ser exemplar da polis, que vive
em relação com outros, que pratica linguagens e exercita a liberdade. Bíos entendido
como “vida caracterizada”, a forma ou maneira de viver própria de um singular
ou de um grupo, a vida de um indivíduo determinado ou um tipo de vida que toca
os contornos, os traços característicos de uma vida específica, as linhas fronteiriças
que distinguem um vivente de outro.
1 Composição de Arnaldo Antunes, na voz de Ney Matogrosso, no CD “Inclassificáveis”, 2008.2 0 5
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VIDAS E(M) ESCAPE
Vida movimenta-se ainda na palavra grega zoé, que nomeia o simples ato de
viver, comum a todo vivente; aquilo que os homens dividem com os animais, fato
biológico, vida natural. A vida no sentido amplo, que transcende os atributos de
uma vida individual. O significado de Zoè é vida em geral, sem caracterização
ulterior. É a vida considerada sem adstrição de qualquer característica e
experimentada sem limitações.
Para Zourabichvili (2004, p. 61), citando Deleuze, a vida é:
[ . . . ] uma mu l t i p l i c i d a d e d e p l a n o s h e t e r o g ê n e o s d e e x i s t ê n c i a ,
repertoriáveis segundo o tipo de avaliação que os comanda ou os anima
(distribuição de valores positivos e negativos); e essa multiplicidade
atravessa os indivíduos mais do que os distingue uns dos outros (ou
ainda: os indivíduos só se distinguem em função do tipo de vida
dominante em cada um deles).
O vitalismo assume duplo caráter, ao referir-se por um lado à postulação de um
“princípio vital” como razão última do vivente, presente no pensamento das ciências
naturais no século XVIII, configurando-se enquanto crença que foge a qualquer
esforço verdadeiro de explicação. Por outro lado, responde ao culto da vitalidade,
difundido na Europa no fim do século XIX, que gesta a vida fascista em suas
práticas ao invocar os direitos superiores da vida e o gênio da raça, do povo ou do
indivíduo.
Deleuze não pensa um conceito de vida em geral. Antes lhe interessa o caráter
diferenciado-diferenciável, que exclui o recurso à vida como valor transcendente
independente da experiência, preexistente às formas concretas e trans-individuais
nas quais é inventada. Deleuze chama mais especificamente vida ou vitalidade
“aquela entre essas formas em que a vida - o próprio exercício de nossas faculdades
- se quer a si mesma: forma paradoxal, a bem da verdade, mais próxima do
informe” (ZOURABCHIVILI, 2004, p. 61). Em O Vocabulário de Deleuze, Zourabchivili
apresenta a concepção deste filósofo, que trabalha com a vida não-orgânica,
expressão tomada de Worringer, aliada ao “corpo sem órgãos” de Artaud, e a
Bergson, para quem a vida como movimento se aliena na forma material por ela
suscitada.
Dizendo com Foucault: vida humana, politizada. Contrapondo com: política
inscrita nos corpos de cidadãos, e não animais em cuja política está em questão a
vida de seres viventes.
Toda tentativa de repensar o espaço político do Ocidente deve partir da
clara consciência de que da distinção clássica entre zoè e bíos, entre2 0 6
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vida privada e existência política, entre homem como simples vivente,
que tem seu lugar na casa, e o homem como sujeito político, que tem seu
lugar na cidade, nós não sabemos mais nada (AGAMBEN, 2004, p. 192).
Vida privada e existência política poderiam se movimentar na trilogia filosofia/
arte/ciência? Ao abraçarmos as sensações, espaço de criação de outras formas
possíveis de vida como força de inscrição de sentido, é possível repensar uma
vida em transformação, em movimento?
Ainda com Agamben (2004, p. 194):
Se denominamos forma-de-vida este ‘ser’ que é somente a sua nua
existência, essa vida que é sua forma e que permanece inseparável desta,
então veremos abrir-se um campo de pesquisa que jaz além daquele
definido pela intersecção de política e filosofia, ciências médico-biológicas
e jurisprudência. Mas antes, será preciso verificar como, no interior das
fronteiras destas disciplinas, algo como uma vida nua possa ter sido
pensada, e de que modo, em seu desenvolvimento histórico, elas tenham
acabado por chocar-se com um limite além do qual elas não podem
prosseguir, a não ser sob o risco de uma catástrofe biopolítica sem
precedentes.
Nas fronteiras entre a Filosofia, que cria conceitos, saberes, entre a Ciência
que faz prospecções, e a Arte, que cria perceptos e variedades afetivas, é possível
evitar uma catástrofe biopolítica sem precedentes?
SER/ESTAR VIVO
Lagartas encasuladas: devir-borboletas, metamorfose ambulante. Homem
mutante: devir-barata, devir-mosca, devir-robô, tributo a Kafka, Raul Seixas,
David Cronenberg, Isaac Azimov. Devir-flor... elogio a Eduardo Kac.
Populações trans: sexuais, gênicas, mutantes, que sofrem “mudança completa
de forma, natureza ou de estrutura; transformação, transmutação”. Na biologia,
definida como “mudança relativamente rápida e intensa de forma, estrutura e
hábitos que ocorre durante o ciclo de vida de certos animais”. Metamorfose ainda
significa “mudança de aparência, caráter, circunstância etc”. Em sentido figurado,
designa “mudança completa de uma pessoa ou de uma coisa”.
2
Estado de mudança, para a condição mutante de pessoas e coisas, como
possibilidade de perambular por alguns dos conceitos que abordam o humano na
contemporaneidade, considerando suas multiplicidades.
1
Trechos entre aspas retirados do Dicionário Houaiss para o vocábulo Metamorfose.
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Contrapor à expressão “ser vivo”, a possibilidade de um “estar vivo”: estado
de vida efêmero, fugaz, superficial, que não se pretende estável e imutável, antes
se quer híbrido, mutante. Justificando, com Agamben (1993, p. 52):
Porque se os homens, em vez de procurarem ainda uma identidade própria
na forma agora imprópria e insensata da individualidade, conseguissem
aderir a esta impropriedade como tal e fazer do seu ser-assim não uma
identidade e uma propriedade individual, mas uma singularidade sem
identidade, uma singularidade comum e absolutamente exposta, se os
homens pudessem não ser-assim, não terem esta ou aquela identidade
biográfica particular, mas serem apenas o assim, a sua exterioridade
singular e o seu rosto, então a humanidade ascederia pela primeira vez a
uma comunidade sem pressupostos e sem sujeitos, a uma comunicação
que não conheceria já o incomunicável.
No ensaio “As dobras ou o lado de dentro do pensamento (Subjetivação)”,
escrito em 1986, Deleuze parte de um impasse foucaultiano: como ultrapassar a
linha que aprisiona a vida ao poder? Se o ponto de concentração de energia da vida
se localiza no choque com o poder; se os centros difusos de poder se localizam no
primado da resistência; se ao tomar a vida ao poder, cria-se a condição de
possibilidade para uma vida que resiste ao poder; e se essas relações transversais
de resistência não param de derrubar os diagramas e reestratificam em nós de
poder?
Dobra deleuzeana: o poder sobre a vida - biopoder - traça linhas transversais
de resistência da vida ao poder, e subverte essa relação de forças. Mas a vida,
potência do lado de fora, enquanto força que resiste, escapa às armadilhas do
diagrama, e não para de se transmutar. Armadilhas que se anunciam no duplo
Morte/Memória. Como escapar ao vazio aterrorizante e não se deixar aprisionar
pela distribuição de mortes parciais? Pelo movimento que arranca o lado de fora
do vazio, que o desvia da Morte.
Pela “absoluta memória, potência de vida que concebe, com Bichat, a
morte coextensiva à vida, esta que é feita de uma multiplicidade de mortes
parciais e singulares. A morte se multiplica e se diferencia para dar à vida
as singularidades, as verdades que acredita dever à sua resistência”
(DELEUZE, 1988, p. 102).
Que forças vivas se apresentam e gestam novas sociabilidades, novas
sensibilidades?
Para Foucault, referindo-se à ideia de Canguilhem: o biopoder e os processos
de subjetivação revelam-se enquanto matrizes da dessubjetivação, quando este
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REU, Sorocaba, SP, v. 37, n. 2, p. 203-217, dez. 2011
Alda Regina Tognini Romaguera / Antonio Carlos Rodrigues de Amorim
autor apresenta outra maneira de abordar a noção de vida - por uma filosofia do
erro, em oposição à filosofia do sentido, do sujeito e do vivido. Ainda com Foucault,
é possível perguntar: “Será que toda a teoria do sujeito não deve ser reformulada,
já que o conhecimento, mais do que se abrir à verdade do mundo, se enraíza nos
‘erros’ da vida?”. (FOUCAULT, 2005, p. 366)
O capitalismo, pela voz de Foucault, instaura técnicas de poder que controlam
a multiplicidade dos homens; se as técnicas disciplinares atuam sobre os corpos,
esquadrinhando espaços, controlando deslocamentos, as biopolíticas atuam sobre
a espécie humana, temporalmente. Em História da Sexualidade, volume I, lê-se:
“A vida já não é mais um substrato inacessível que acontece de tempo em tempo
na aleatoriedade da morte e da sua fatalidade: parte dela passa pelo campo do
conhecimento, do controle e da esfera de intervenção do poder” (FOUCAULT, 1998,
p. 142).
Há que se contrapor ao conceito de biopolítica, a potência zoè da vida, essa
vida experimentada sem limitações - é possível pensar a bioarte e a manifestação
estética da vida enquanto possibilidade de escape às biopolíticas? Se o conceito
de “vida nua”, derivado do filósofo italiano Giorgio Agamben, refere-se ao espaço
altamente artificial que as estruturas de poder geram ao excluir da proteção jurídica
as formas de vida que não se submetam à sua ordem, como controlar essa vida
em estado de ilegalidade, nua e crua, que escapa pela visibilidade?
BIOARTE
Decifração do genoma, organismos transgênicos, clonagem, terapia clônica,
medicina genética. Dilemas que levam um crescente número de artistas, situados
nas intersecções da arte e biologia, a produzir obras em múltiplos contextos.
Se na contemporaneidade se dissolvem as dicotomias entre local e remoto,
humano e não-humano, vivo e máquina, a arte transgênica se constitui enquanto
uma dentre as manifestações estéticas dessa condição contemporânea. Novos
indivíduos vivos, que existem por conta própria, compartilham espaços sociais
conosco.
Exercer o andarilho peregrinar por diversas obras da bioarte, e escolher, dentre
imagens, aquelas que brincam com a invenção de outras vidas. Pretender extrair
delas potência para pensar criação e vida, tornando estes conceitos vazios de
significados, talvez desejando que deles se desaprenda a plenitude dos sentidos,
talvez desejando que deles se desprenda sua virtualidade. Vida ciborgue, plugada,
tudo é vida, transumana. Arte úmida, transgênica, que mexe com a vida lá onde
não se enxerga a vida; na vida-micro, que depende de contato, a vida viral se
movimenta em fluxos. Isto traz outra potência para a ideia de biopolítica, ao
pensar esse deslocamento de força, que antes estava no olho e que depende da
criação de uma imanência: um calor...
Pensar a biopolítica em relação de contato/contágio com sentidos de vida,
educação e arte. Pensar as estratégias biopolíticas em relação de contato/contágio
com sentidos de vida-zoè e arte. É possível movimentar dimensões da invenção
no encontro entre tecnociência e vida, em sua aproximação com o campo da
estética artística?
A condição biopolítica do capitalismo globalizado e as obras da bioarte - criadas
por Eduardo Kac - trazem outras possibilidades de pensar a resistência enquanto
manifestação social para escapar ao controle, provocando encontros de vidas
singulares na contemporaneidade. Instiga-nos a pensar movimentos, vida em
movimento para quem sabe pensar uma vida qualquer, na potência da virtualidade.
Provoca-nos a movimentar a vida pela pulsão da arte: a arte-vida e a política-vida
pensadas como pulsos, como aquilo que se espalha, bifurca.
Exercitar andanças, perambulações, por estes conceitos, querendo pensar em
subjetivações do agora, que conectam gentes e coisas, objetos-quase, habitantes
do ciberespaço praticando interatividades replicantes, maquínicas.
* * *
Eduardo Kac é brasileiro de origem, carioca, nascido em 1962, e vive desde
1989 nos EUA, onde leciona e pesquisa. Um dos mais renomados artistas envolvidos
na criação com novas mídias, é reconhecido internacionalmente por suas instalações
interativas, que dão visibilidade a novos conceitos na arte contemporânea.
Diferentemente de outros bioartistas que optam por manifestações do bizarro,
entre outras, suas composições revelam uma idéia de beleza proveniente da estética
clássica, que se manifesta na brancura do coelho, no vermelho dos veios da flor. O
fio condutor da criação artística de Kac pode ser capturado pelo conceito da vida
codificada na natureza.
Tornou-se cidadão do mundo pela projeção de suas criações, que nas últimas
décadas transitam entre obras que vão da holografia à telepresença, à robótica, à
bioarte e à arte transgênica - exploração de material genético para criação de
vida.
Inspiradas pela ciência, sobretudo pela biologia e pela genética, estas obras
despertam questões éticas, sociais e estéticas. Kac trabalha com múltiplos
materiais, que abrangem diversas linguagens: é poeta, escritor, pintor, escultor,
criador de seres vivos, o que amplia a divulgação dos conceitos que quer discutir.
VIDAS E(M) ESCAPE2 1 0
REU, Sorocaba, SP, v. 37, n. 2, p. 203-217, dez. 2011
Desde os seus primeiros experimentos, nos quais convergem o digital e o biológico,
investiga as dimensões políticas e filosóficas dos processos de comunicação. Kac
(2008) explicita estas intenções em uma entrevista:
Crio obras de arte que vêm do meu universo próprio, individual, subjetivo
e poético. Estas obras buscam produzir uma ressonância emocional e
cognitiva com espectadores e participantes. Ao mesmo tempo, levanto
questões fundamentais sobre o que significa ser humano no século
vinte e um em diante.
Eduardo Kac (2008) chama a atenção para uma ética dentro da estética, sem
precedentes e que abre um novo campo para arte, com implicações evolucionárias
reais (ou seja, por ser viva participa da evolução das espécies):
Na minha visão, o artista não cria objetos e sim sujeitos. Isso desperta
uma nova dimensão ética na arte. Meu trabalho cria no presente uma
nova área para a arte, ao mesmo tempo em que estimula a sociedade a
questionar como irá se preparar para receber novos cidadãos que serão,
eles próprios, clones e transgênicos (KAC, 2008).
* * *
Os biótopos da série “Specimen of secrecy about marvellous discoveries”
(Espécime de segredo sobre descobertas maravilhosas) são ambientes criados
pelo artista Eduardo Kac em um meio de cultura contido numa espécie de
exoesqueleto, que também funciona como moldura. Cada biótopo é definido como
um corpo, um indivíduo com sua própria identidade. Em Ecologia, um biótopo ou
ecótopo (do grego âéïò - bios = vida + ôüðoò = lugar, ou seja, lugar onde se
encontra vida) é uma região que apresenta regularidade nas condições ambientais
e nas populações animais e vegetais, das quais é o habitat. Um ecossistema
corresponde a um conjunto formado por dois elementos em interação constante:
um ambiente de natureza físico-química, abiótico e bem delimitado no espaço e
no tempo, a que se chama BIÓTOPO, e o conjunto de seres vivos, ou BIOCENESE,
que habita esse biótopo. Constitui o elemento funcional de base da biosfera;
mantêm-se por intermédio de um fluxo de energia e de matéria entre estas
diferentes componentes em interação permanente.
Nos dizeres de Kac:
“Cada t r aba lho é t anto uma ent idade s ingul a r, como nós , e uma
comunidade de células e microorganismos, como eu e você. Assim como
f a z em em nos so corpo, humano, e s s a s enorme s comunidade s de
microorganismos do biótopo interagem entre si e, como uma unidade,
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interagem com o ambiente. É um trabalho que sempre muda, pois, é
literalmente vivo” (KAC, 2008).
PLANTIMAL, HOMOPLANTA, PLANTASAPIENS...
Edúnia: Eduardo com Petúnia...
Criação bioartística de nova forma de vida, invent-ação viva de um ser que
não é encontrado na natureza.
Criação de sujeitos fazendo brotar a poética da contiguidade da vida entre as
diferentes espécies e despertando uma dimensão ética na arte.
Um estado de vida coabitado, trans-formado, trans-codificado e trans-gênicamente manipulado.
Uma flor criada através de engenharia genética que expressa o DNA de Kac
exclusivamente em suas veias vermelhas. No site do artista encontramos a
descrição desta criatura:
Ela tem veias vermelhas e pétalas cor de rosa. Um gene do artista é
expresso em todas as células de suas veias vermelhas, isto é, o gene de
Kac produz uma proteína somente na rede venosa da flor. O gene foi
isolado e sequenciado a partir do sangue do artista. As pétalas cor de
rosa, contra as quais as veias vermelhas são vistas, são evocativas do
próprio tom de pele rosada de Kac. O resultado desta manipulação
molecular é uma planta que cria a imagem viva de sangue humano
correndo nas veias de uma flor (KAC, 2009).
Vida e(m) estado de hibridismo que nos provoca a pensar com Kac: Plantimal?
Homoplanta? Plantasapiens? A flor gente/planta/bicho escapa aos aprisionamentos
identitários que insistem em nomeá-la e revela sua multiplicidade, na mistura
genética. Edúnia é, ao mesmo tempo em que está. Está planta em estado de gente,
está gente em estado de planta, está cores em estado de gene, está imagem viva de
sangue humano correndo nas veias de uma flor. E neste(s) estado(s) é que cria
escapes ao aprisionamento das políticas bio, resistindo ao controle e ensaiando
outros jeitos de estar no mundo. Busca do artista, pela dimensão da criação, por
outras relações entre vidas. A arte provocando a sociedade, num convite a se preparar
para receber novos cidadãos que serão, eles próprios, clones e transgênicos.
De 2003 a 2008, Kac desenvolve História Natural do Enigma, que se compõe de
uma série de projetos; esta obra visitou o Brasil como parte da exposição “Eduardo
Kac: Lagoglifos, Biotopos e Obras Transgênicas”, no espaço “Oi Futuro”, de janeiro
a março de 2010, no Rio de Janeiro.
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A flor é um novo tipo de Petúnia que Kac inventou e produziu através de
biologia molecular. O gene que Kac selecionou de seu próprio genoma é
responsável pela identificação de corpos estranhos. Ou seja, nesta obra,
é precisamente aquilo que identifica e rejeita o outro que o artista integra
no outro, criando assim uma nova espécie de ser que é parcialmente flor
e parcialmente humano.
“História Natural do Enigma” é uma reflexão sobre a contiguidade da
vida entre as diferentes espécies. Usa a vermelhidão do sangue e a
vermelhidão das veias da planta como um marcador do nosso patrimônio
comum. Na expectativa de um futuro no qual Edunias sejam acessíveis e
plantadas por toda parte, Kac criou um conjunto de “Edunia Seed Packs”
(Pacotes de Sementes da Edunia), que estão incluídos na exposição. Os
“Edunia Seed Packs” contêm as sementes da Edunia e fazem parte da
coleção permanente do Museu de Arte Weisman (KAC, 2009).
O mundo das artes problematiza e multiplica representações para o ser vivo, a
máquina, o humano e o ser inanimado e abre possibilidades para pensar humanos
e vidas outras, na proliferação de possibilidades como as do campo da bioarte.
Para Eduardo Kac (2006, P. 253) “a bioarte é uma arte feita com um meio de
criação que se envolve com a história do planeta, que é a vida”. E a vida é enquanto
vida alguma coisa que não para de se transformar, dirá Deleuze com Bergson.
Bioarte, arte biológica e arte genética. Dilemas que levam um crescente número
de artistas situados nas intersecções da arte e biologia, a produzir obras em
múltiplos contextos. Realizações no campo da biologia contribuem para a
compreensão e controle potencial do mundo orgânico, incluindo o corpo humano.
Pode-se dizer com o Deleuze de “Imanência: uma vida...”. “Vida, imanência
absoluta, pura potência, de onde brota uma possibilidade: a do ser em si,
simplesmente: tantum”.
Se uma obra de arte revela o universo poético do artista - traduzindo o mundo
por ele criado -, na plataforma estética da arte transgênica encontra-se a criação
de outras formas de vida, artificiais, que não existem na natureza. Eduardo Kac
se apropria de instrumental genético para criar, fazer pulsar, a partir da arte,
outras possibilidades de contato que promovem encontros híbridos entre os seres.
Vida na biologia: organismo, vida organizada – ambientes de micro vida,
biótopos, que interagem com gente – vida em estado de arte, vida reagente,
mutante, não sujeito, borbulhas de vida – telas, quadros – comunidade fugaz,
instantânea, que não se aprisiona, incorpórea, é organismo que se desorganiza;
transformação de vida biológica em arte.
Kac pensa e nos faz pensar sua obra, criação de vida, em todas as suas
dimensões: discursiva, afetiva, perceptiva, interativa, dando ênfase ao que há
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de novo na obra, porque é aí que se encontra o domínio da invenção e da
imaginação. Com ele, é possível trabalhar com a idéia de arte como pulsão de
criação e de força/potência, e considerar as obras de arte em sua relação com a
tecnociência, elegendo as dimensões da obra que são filosóficas e culturais: estética
relacional. Nos dizeres de Kac (2004a, p. 35),
Invenção e modificação da vida pelo artista, para fazer a obra de arte.
Ética performativa: experiência ética colocada pelo artista como elemento
primário da plataforma estética; quando a obra desempenha uma ação
ética deliberada, a ação ética e a ação estética estão integradas já no
nascedouro da obra, não a posteriori.
Seleção e mutação apresentadas como importantes forças evolucionárias. Kac
coloca a comunidade científica, artística e a sociedade em geral frente ao dilema
ético em evidência na contemporaneidade: o homem-deus que enfrenta, desafia,
surpreende e domina a vida: evolução transgênica... Trabalha com a proposta de
um sujeito-arte, em oposição à idéia de objeto na arte, enfatizando aspectos não
tão visíveis da obra: A arte transgênica é um modo de inscrição genética que está
ao mesmo tempo dentro e fora do campo operacional da biologia molecular,
negociando o terreno entre ciência e cultura.
Viver agora é também captar indícios da existência de outro humano, o que
leva ao reconhecimento de outra biologia que configura o humano, que se mostra
na relação do controle e da resistência que as obras de arte transgênica oferecem.
Para ele, a questão da genética não é pura e simplesmente problema científico,
mas está diretamente ligada aos aspectos políticos e econômicos. Precisamente
por esta razão, o medo desenvolvido pelo abuso real e potencial desta tecnologia
deve ser canalizado produtivamente pela sociedade. Em vez de abraçar uma cega
rejeição da tecnologia, o que já é indubitavelmente parte das novas bio-políticas,
cidadãos de sociedades abertas deveriam, segundo Kac, fazer um esforço para
estudar as múltiplas visões do assunto, aprender sobre a herança histórica em
torno dessa discussão, entender o vocabulário e o principal significado dos esforços
das pesquisas. Deste debate resultaria o desenvolvimento de visões alternativas
baseadas em idéias autônomas, o que levaria a um esforço para gerar entendimento
mútuo. Embora isso pareça uma tarefa desanimadora, conseqüências drásticas
podem resultar da publicidade enganosa, de antagonismos ou manifestações de
indiferença pela sociedade. Kac considera que é neste aspecto que a arte pode ser
também de grande valor social. Desde o lugar em que a dominação da arte é
simbólica, até quando ela intervém diretamente num contexto dado, a arte pode:
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[...] contribuir para revelar implicações culturais de revoluções e oferecer
diferentes caminhos de pensar sobre e com a biotecnologia. A arte
transgênica pode ajudar a ciência a reconhecer o papel de questões
relacionais e comunicacionais no desenvolvimento de organismos. Pode
ajudar a cultura desmascarando a crença popular de que o DNA é a
“molécula-mestra”, através de uma ênfase no organismo como um todo
e o ambiente (o contexto). E finalmente, a arte transgênica pode contribuir
no campo da estética por abrir uma nova dimensão simbólica e objetiva
da arte como criadora literal da vida e responsável pela vida criada (KAC,
2002, p. 46).
Eduardo Kac cria interfaces da biologia com a tecnologia e a filosofia, na
expressão de obras de arte transgênicas:
Eduardo Kac irá, então, mergulhar no campo da biologia e da genética –
onde pode evidenciar mais claramente esta dissolução da fronteira entre
os organismos reais e virtuais – e criar o que irá chamar de Arte
Transgênica. O artista parte dos pressupostos de que a pele já deixou de
ser a barreira imutável que contém e define o corpo no espaço, tornandose um lugar de constante transmutação (vide as inúmeras possibilidades
das cirurgias plásticas cada vez mais acessíveis); e de que, mais do que
tornar visível o invisível, a arte deve possibilitar a consciência do que
permanece para além do visual, mas que de fato nos afeta diretamente. A
Arte Transgênica que propõe irá possibilitar uma relação dialógica entre
o artista, a criatura/obra de arte, e aqueles que irão manter contato com
ela (LEVY, 2010, p. 69).
Retornamos às perguntas-sensações que acompanham este ensaio: se na
contemporaneidade nos tornamos outros, híbridos e mutantes – descendentes de
tantos mundos quantos os que pudermos criar, por que estes corpos plugados
ainda insistem em manter conexões de outrora, em instituições que nos colocam
frente às relações dualistas, paradoxais? Aproximações estéticas permitem trazer
a arte transgênica para pensar uma nova noção de vida ou buscar por outras
relações com a vida, de-subjetivada? Que outros encontros podem acontecer entre
o humano e o inanimado?
Transitar pelas obras de Kac abre possibilidades de pensar a vida, na dimensão
da invenção, ainda que este conceito surja fortemente acoplado à noção de sujeito,
no campo das representações. Gera um começo, ponto de partida para levantar
questões a respeito da vida na contemporaneidade. Porém, ao tentar aproximar
suas criações das discussões e conceitos filosóficos contemporâneos, o que emergiu
foi ainda a organicidade, a corporeidade...
Dizendo com Pélbart:
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“O bios é redefinido intensivamente, no interior de um caldo semiótico e
maquínico, molecular e coletivo, afetivo e econômico. Aquém da divisão
corpo/mente, individual/coletivo, humano/inumano, a vida ao mesmo
tempo se pulveriza e se hibridiza, se moleculariza e se totaliza” (PELBART,
2003, p. 26).
Kac pensa a criação na vida, da vida, na arte, da arte. Traz possibilidades de
pensar em outros territórios que não os da ciência, dando visibilidade a outro percurso para questões éticas e estéticas. Pela bioarte, provoca, questiona a transformação de vidas.
Seleção e mutação apresentadas como importantes forças evolucionárias. Kac
coloca a comunidade científica, artística e a sociedade em geral frente ao dilema
ético em evidência na contemporaneidade: o homem-deus que enfrenta, desafia,
surpreende e domina a vida: evolução transgênica... Trabalha com a proposta de
um sujeito-arte, em oposição à ideia de objeto na arte, enfatizando aspectos não
tão visíveis da obra: “A arte transgênica é um modo de inscrição genética que
está ao mesmo tempo dentro e fora do campo operacional da biologia molecular,
negociando o terreno entre ciência e cultura” (KAC, 2004).
Uma arte que traz a possibilidade de fissura, de sentidos em escape e de
virtualidade para pensar vida, ciência e biotecnologia... Seria a bioarte uma
manifestação da criação de vida da multidão? Arte singular, que se manifesta no
comum produzindo uma vida. Vida e arte em constante movimento, deslocandose entre os conceitos que lhe são atribuídos e tantos outros cruzamentos, em
misturas pulsantes, híbridas, contínuas, gerando singularidades. A potência de
vida na arte em conexão com a aposta de vida singular no pensamento filosófico
deleuzeano: vida não-orgânica, incorpórea, inorgânica. Ideia de vida que não se
efetua, que está sempre em escape. Menos ser, mais devir; transformação,
nômade, vida pra além do encontro dos corpos, vida que é pensamento, pensamento
que é indizível.
Kac cria e faz pensar a criação de vida, em todas as suas dimensões: discursiva,
afetiva, perceptiva, interativa. Sua ênfase está no que há de novo na obra, porque
é aí que se encontra o domínio da invenção e da imaginação. Com ele, é possível
trabalhar com a ideia de arte como pulsão de criação e de força/potência, e
considerar as obras de arte em sua relação com a tecnociência, elegendo as
dimensões da obra que são filosóficas e culturais: estética relacional. Nos dizeres
de Kac em entrevista para a revista online Interact, realizada por ocasião dos
Encontros de Arte e Comunicação (Junho de 2005):
VIDAS E(M) ESCAPEInvenção e modificação da vida pelo artista, para fazer a obra de arte.
Ética performativa: experiência ética colocada pelo artista como elemento
primário da plataforma estética; quando a obra desempenha uma ação
ética deliberada, a ação ética e a ação estética estão integradas já no
nascedouro da obra, não a posteriori (KAC, 2007).
Em algumas de suas obras ele desestabiliza a ideia do controle ao criar seres
culturais; como em Lance 36, por ele assim definida:
Uma partida para jogadores fantasmas, uma afirmação filosófica revelada
por uma planta, um processo escultural que explora a poética da vida
real e da evolução. Essa instalação dá procedimento à minha contínua
intervenção nos limites entre o ser vivo (animais humanos e não
humanos) e o não vivo (máquinas, redes). Colocando em xeque noções
tradicionais, a obra revela a natureza como uma arena para a produção
de conflitos ideológicos, e as ciências físicas como um locus para a
criação de ficções científicas (KAC, 2004b).
Desestabilização, des-controle do natural; arte como força de inscrição de
sentidos outros, vida como descontrole, como nomadismo, transformação, e novo.
Buscar por uma vida que se desfaça do que a aprisiona, que se invente em
modos e formas de ser e se descubra pura imanência, potências. Uma vida:
determinabilidade transcendental da imanência como vida singular, sua natureza
absolutamente virtual e o seu definir-se somente através dessa virtualidade.
V i d a c omo ime d i a t e z a a b s o l u t a , v i t a l i smo : p u r a c o n t emp l a ç ã o s em
conhecimento, potência sem ação. Uma vida que não consista somente no seu
confronto com a morte e uma imanência que não volte a produzir transcendência.
“A vida beata jaz agora sobre o mesmo terreno em que se move o corpo biopolítico
do ocidente” (AGAMBEN, 1993, p. 173).
O pensamento a respeito da vida criada escapando...
REFERÊNCIAS
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REU, Sorocaba, SP, v. 37, n. 2, p. 203-217, dez. 2011
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PELBART, Peter Paul. Vida capital: ensaios de biopolítica. São Paulo: Iluminuras, 2003.
ZOURABICHVILI, François. O vocabulário de Deleuze. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2004.
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