O professor e o mundo
real
Por Milton Lima 18-06-2021
O professor e o mundo
real
A primeira palavra que
estabelece uma conexão possível entre passado e presente para os amigos que
discutem aquela adolescência equidistante é a memória que ambos guardam da
educação. O caminho que classificamos como canônico durante aquele diálogo ainda
tinha como base o fim do ensino médio, e o possível ingresso na universidade.
Talvez tal regra tão normativa não fosse assim muito clara quanto um sonho que tampouco
nos alimentou para sair da nossa escola, e ir direto para o ensino público
universitário. E hoje 18 anos depois que concluímos aquela fase repleta de
sonhos e boas lembranças, constatamos que tal educação fora tema de muito valor
para quem fomos e somos neste domingo. No qual o campo de futebol expressava
durante àquelas horas algumas lembranças vivas de amigos que por ali passavam e
com os quais havíamos estudado na mesma escola, e por tudo isso narrado, vale a
nossa reflexão.
O papo acompanhado por
um fenômeno mundial de crise sem precedentes e com um quê de polarização nos
coloca frente o mundo real do nosso bairro, há 18 dias atrás. Diante há um
mundo tão desigual para alguns cuja educação desigual fora formatada para
interferir em nossa realidade; assim nós conversávamos seguidos volta e meia
por alguém que se aproximava e nos cumprimentava e de alguma forma falava, como
nós, sobre a educação. Os dois trintões não imaginariam que tal domingo em
frente ao campo, pudesse trazer a tona tantos questionamentos da vida escolar.
Para iniciar a catarse
da nossa discussão e reflexão, é de suma importância e totalmente significante
nos perguntarmos o que é relação social? E adiante fazer a seguinte questão: como
mensuramos o que aprendemos e como o colocamos no cotidiano? Então temos um
caminho que o torna possível, este é o diálogo que se deu no bairro 100 terra.
Os amigos debruçaram-se em torno da memória, e voltaram ao Armando Gaban.
Começo então a trazer
a narrativa para o campo, não o de futebol, mas o qual eu tenho formação, isto
é, para a sociologia. E se a primeira indagação foi o que é relação social? Então
começamos por respondê-la. Não é uma resposta objetiva e sim subjetiva, que
assim fique claro. Entendo como relação social o mundo real da interação que os
conflitos são dados, mensurados e enfrentados. Sem nenhum risco de que isto
seja identificado como certo ou errado. Então partimos da base que há
divergência de opinião e que é muito bom que assim seja, no entanto, estamos
falando do mundo real, e, portanto, de um mundo motivado por política. E quando
acessamos ao gatilho que a palavra política dispara, é quando precisamos voltar
nossos olhos para a educação.
O mundo real que
expresso aqui é peculiar de quem olha a sociedade como um lugar de organização
das instituições, e a organização deste mundo do poder é quem vai dizer como a
nossa vida deve ser.
Para retomar a
questão: como mensuramos e colocamos o que aprendemos na prática? Voltemos ao
título deste artigo, o professor e o mundo real.
Em todo momento no
qual discutíamos algo eu estava pensando na ciência política (lembrando que o sociólogo
é quem se formou no curso de ciências sociais, e que este aborda três áreas,
antropologia, ciência política e sociologia) sobre o quanto o poder importava.
Embora, esse poder de qual escrevo e reflito seja aquele utilizado como
aparelho de Estado coercitivo e subordinado, darei ênfase a nossa escola e
quanto um professor, apesar deste modelo expropriador, nos formou para sermos
quem somos, ou seja, humanos e conscientes do papel da educação.
Dos anos de 1990 aos
anos 2000, um professor de história da Escola Estadual Armando Gaban, deve ser
conhecido por seus alunos, falo do professor Rodrigues. Em diversas ocasiões
escutei de amigos, que o professor Rodrigues era o melhor professor que eles
tiveram no Gaban. Lembro de ainda estudar no Fiúza (4ªsérie), quando nossa
escola Gaban apareceu na televisão como uma das mais violentas de Osasco. Mas
foi neste ambiente de conflitos e hostilidade aos professores que o lado mais
humano do professor aflorou. E agora a lembrança da fanfarra faz-se testemunho.
O domingo que poucas
horas testemunhava um papo de memórias de pelo menos 18 anos atrás, volta-se ao
nosso papo articulado de educação. Eraldo contava o quanto era grato ao
professor Rodrigues com quem mantinha contato por e-mail e até mesmo presencial.
Ali contava naquele domingo que o professor Rodrigues havia entregado a
fanfarra para a direção da escola, e que não era mais responsável por questão
de saúde.
Foi uma notícia bem
forte. Afinal, ambos fizemos parte da fanfarra, e sabíamos o quanto o projeto
social com o qual o professor Rodrigues sempre levou muito a sério, ficou órfão
a partir de então.
Ao voltarmos ao papo
da escola, Eraldo compartilhou como foi sair da escola no ensino médio e ir
direto para a universidade. E mais uma vez, esta era uma lembrança bem viva em
minha memória.
Em sala de aula,
recordo quando o próprio professor Rodrigues dizia para os alunos do 3º ano
(isso em 2004), vocês também vão para universidade, alguns colegas de vocês
entraram, era um motivo de orgulho para o professor, sim, ele é um exímio
educador.
Eraldo já era meu
amigo na época, eu sabia que ele tinha conseguido, mas não sabia o contexto. Então
me contava meu amigo 18 anos depois o quão foi incentivado pelo professor
Rodrigues. Na época prestou para Unesp em educação física, e conta que ele e
mais dois alunos, receberam apoio financeiro e moral para buscar o sonho de
estudar em uma universidade pública. Chegaram perto, mas não puderam entrar, e
o acesso foi via universidade privada. Os outros não se têm notícia se conseguiram
se formar; eu sei que o Eraldo e mais dois, entraram na universidade, porém,
meu amigo confidenciou que pouco tempo depois seria pai, e precisou ir
trabalhar e largar os estudos.
Acessar a universidade
pública tão incentivada pelo professor Rodrigues chegou até mim. Entrei 13 anos
depois de concluir o ensino médio, e estou formado professor. O professor e o
mundo real mostram-nos quão importante é a educação, o quão desigual é nosso
ensino, e mesmo sendo, lá estávamos nós naquele domingo falando da educação.
O poder tem diversas
vertentes é bem verdade, e dificilmente sem compreender como funciona tal
sistema conseguiremos sair ileso a ele. Testemunhamos aqui, além da relação
social que se deu no ambiente escolar, entre professor, fanfarra, estudante e
bairro, também o poder que um educador teve na formação humana.
Aos meus Mestres
sempre todo o meu respeito, ao professor Rodrigues em especial desejo com muito
respeito muita saúde grande Mestre, saiba que seu legado de ensinar inspirou e
inspira até hoje. E com todo estigma que os alunos do Gaban sofreram no passado
e sofrem no presente, somos a prova viva que crescemos a partir desta escola. Obrigado
professor Rodrigues por acreditar em nós, e nos incentivar a estudar.
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